Os
livros didáticos disponíveis atualmente ensinam que a vitamina D é essencial na
formação dos ossos e dentes. Mas esses textos precisarão ser reformulados para
acrescentar uma longa lista de benefícios descobertos recentemente, que revelam
que a substância faz muito mais pelo organismo do que se imaginava. Ela ajuda a
emagrecer, fortalece o sistema de defesa do organismo, auxilia na prevenção e
tratamento de doenças como a diabetes e a hipertensão e está associada a uma
vida mais longa – para falar somente de alguns de seus efeitos positivos. Por
essa razão, a vitamina tornou-se a mais nova queridinha dos médicos em todo o
planeta. Muitos já estão solicitando a seus pacientes que meçam sua
concentração no corpo e façam sua reposição se assim for necessário.
Um
dos achados mais reveladores – e que ajuda a sustentar a nova atitude dos
médicos – surgiu de um trabalho de cientistas da Universidade de Oxford, na
Inglaterra. Eles sequenciaram o código genético humano para averiguar quais
regiões do DNA apresentavam receptores para a vitamina. Receptores são uma
espécie de fechadura química só aberta por chaves compatíveis – nesse caso, a
vitamina D –, para liberar o acesso e a ação do composto à estrutura à qual
pertencem.
O
time de Oxford descobriu nada menos do que 2.776 pontos de ligação com
receptores de vitamina D ao longo do genoma. “A pesquisa mostra de forma
dramática a ampla influência que ela exerce sobre nossa saúde”, concluiu
Andreas Heger, um dos coordenadores do trabalho, publicado pela revista “Genome
Research”. Isso quer dizer que sua presença faz uma bela diferença na forma
como trabalham os genes. “Todas as células mapeadas possuem receptores diretos
da vitamina”, explica o dermatologista Danilo Finamor, da Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp).
A
outra comprovação inquestionável do poder abrangente da vitamina no corpo
humano veio de uma ampla revisão de trabalhos científicos realizada pela
Sociedade Americana de Endocrinologia cujo resultado foi divulgado há dois meses.
“Ela age no coração, no cérebro e nos mecanismos de proliferação e inibição de
células, entre outros sistemas”, disse o bioquímico Anthony Norman, professor
da Universidade da Califórnia (EUA), um dos maiores estudiosos do tema e
integrante do comitê responsável pela compilação de dados a respeito do
assunto. “A vitamina D também atua nos músculos, que são as únicas estruturas
capazes de dar mais estabilidade aos ossos”, diz o ortopedista André
Pedrinelli, do Hospital Santa Catarina, de São Paulo.
Muito
do que se sabe a respeito dos novos benefícios da substância é referente à
diabetes tipo 2, que hoje exibe proporções epidêmicas no mundo. Trabalhos
demonstram que níveis baixos da substância estão relacionados a uma disfunção
ligada à origem da doença chamada resistência à insulina. A insulina é o
hormônio que permite a entrada, nas células, da glicose circulante no sangue.
No caso da diabetes tipo 2, ela não consegue cumprir sua função corretamente e
o resultado é o acúmulo de glicose na circulação sanguínea, o que caracteriza a
enfermidade.
Uma
das pesquisas a evidenciar a relação vitamina D-diabetes tipo 2 foi feita pelo
cientista Micah Olson, da Universidade do Texas (EUA). Ele mediu os níveis da
vitamina, de glicose e de insulina no sangue de 411 crianças obesas e 87 não
obesas. “As obesas com níveis mais baixos do composto tinham maior grau de
resistência à insulina”, disse. Em adultos, dá-se o mesmo. Estudo publicado na
revista “Diabetes Care” mostrou que pessoas com pequena quantidade da
substância apresentavam 32 vezes mais resistência à insulina do que a média dos
voluntários avaliados.
A
informação do papel da vitamina no desenvolvimento da enfermidade mudou a
conduta médica. A endocrinologista Maria Fernanda Barca, de São Paulo, membro
da Sociedade Americana de Endocrinologia, por exemplo, é uma das que já indicam
sua reposição, se for preciso. “Quando comecei a pedir dosagens, vi que cerca
de 70% dos pacientes estavam com carência ou insuficiência da substância”, diz.
Também
já existe um consenso científico de que, quanto mais obesa a pessoa, menos
vitamina D ela apresenta. Não está claro, porém, se a obesidade por si só
diminui a presença da vitamina no organismo ou se é o contrário. Mas, mesmo sem
conhecer os mecanismos pelos quais a baixa concentração da substância contribui
para o acúmulo de gordura, os médicos estão incluindo sua reposição na lista de
estratégias mais recentes na briga contra a balança.
Só
por ajudar no controle da diabetes e da obesidade – dois fatores de risco para
doenças cardíacas –, a vitamina já poderia ser chamada de aliada do coração. No
entanto, descobriu-se que ela combate também a hipertensão, bloqueando a ação
de uma enzima envolvida na elevação da pressão arterial. “Por isso, pode ser
dada como coadjuvante no tratamento da doença, se for comprovado seu déficit”,
afirma Aluízio Carvalho, professor de nefrologia da Unifesp.
O
sistema imunológico é outro beneficiado. “Ela atua como um modulador do sistema
de defesa do corpo”, explica a endocrinologista Cláudia Cozer, de São Paulo,
diretora da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome
Metabólica. A quantidade certa da vitamina permite que o corpo se defenda
melhor, por exemplo, das gripes e resfriados de repetição. “Uma das células
beneficiadas por ela são os linfócitos T, que agem sobre as células estranhas e
infectadas por vírus”, diz o bioquímico Anthony Norman, da Universidade da
Califórnia. Alguns pesquisadores sugerem que a substância pode reduzir a
mortalidade por pneumonia entre pacientes internados e ter ação específica
sobre o bacilo de Koch, o causador da tuberculose.
Até
as complexas doenças autoimunes se revelam sensíveis à vitamina. Essas
enfermidades são desencadeadas por uma disfunção do sistema de defesa que faz
com que ele comece a atacar o próprio organismo. Se ataca proteínas localizadas
nas articulações, deflagra a artrite reumatoide. Se forem células da pele, há
vitiligo ou psoríase. Nesse campo, a substância também tem sido vista como uma
esperança, inclusive para pacientes de esclerose múltipla, enfermidade
autoimune que acomete células nervosas e leva à perda gradual dos movimentos.
Já se sabe que o seu avanço é mais rápido em quem convive com níveis baixos da
substância, conforme documentou um estudo da Universidade de Maastricht, na
Holanda, a partir do acompanhamento de 267 pessoas com a doença.
Na
Unifesp, mais de 800 portadores de esclerose múltipla estão recebendo doses do
composto, sob responsabilidade do neurologista Cícero Galli Coimbra, um
entusiasta do tratamento. “São doentes com déficit comprovado e resistência
genética à vitamina”, explica o médico. “É uma terapia eficiente, que precisa
ser divulgada”, diz Coimbra, criador do Instituto de Autoimunidade, voltado a
esse tipo de tratamento.
Na
mesma linha de intervenção segue a Universidade de Toronto, no Canadá.
Pacientes com a enfermidade lá tratados apresentaram uma notável diminuição da
perda de células nervosas. No entanto, o tratamento é considerado complementar
e tem opositores. A terapia convencional da doença é feita com o medicamento
interferon-beta, que modula o sistema imunológico.
A
pesquisa das ligações do composto com o câncer é um campo dos mais desafiadores
para os pesquisadores. Cientistas da Universidade da Carolina do Norte (EUA)
anunciaram que pacientes com tumor de pâncreas com maior quantidade de
receptores para a substância têm sobrevida maior do que os outros. Antes, eles
já tinham sido encontrados pelos cientistas britânicos em áreas associadas à
leucemia linfática crônica e câncer colorretal. Há também suspeita de que a
vitamina regule genes ligados aos tumores de próstata e pesquisas mostrando
doses deficientes em mulheres com câncer de mama. “Um estudo mostrou que o
aumento de sua quantidade poderia impedir aproximadamente 58 mil novos casos de
tumor de mama e 49 mil novos casos de câncer colorretal a cada ano”, disse a
médica Archana Roy, da Clínica Mayo (EUA). “Mas outros trabalhos são
necessários para esclarecer e comprovar essas relações”, pondera a
endocrinologista Ana Hoff, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo.
Embora
seja chamada de vitamina, a substância é, na verdade, um pró-hormônio. Ou seja,
dá origem a vários hormônios importantes para o corpo. É sintetizada a partir
de uma fração do colesterol, transformada sob a ação dos raios ultravioleta B
do sol. Ela também está presente em alimentos – principalmente peixes de água
fria –, mas sua concentração neles é pequena e seria suficiente para fornecer
apenas 20% das necessidades diárias.
É
por essa razão que hoje os especialistas encontram-se preocupados. Ao mesmo
tempo que fica cada vez mais clara sua importância para a saúde, o mundo
enfrenta uma espécie de epidemia de déficit da substância. Segundo a
Organização Mundial da Saúde, metade da população mundial tem menos vitamina D
do que precisa. De acordo com a OMS, há insuficiência quando o exame de sangue
indica uma concentração menor do que 30 ng/ml (nanogramas por mililitro de
sangue). Valores abaixo de 10 ng/ml são classificados como insuficiência grave.
Dosagens iguais ou superiores a 30 ng/ml estão na faixa da normalidade, cujo
limite máximo é 100 ng/ml.
A
enorme deficiência se deve principalmente à pouca exposição ao sol que as
pessoas têm atualmente. Para que seja sintetizada na quantidade adequada,
recomenda-se a exposição de partes do corpo (braços e pernas, por exemplo)
entre 20 e 30 minutos ao sol diariamente, sem filtro solar. Ou, como orienta
outra corrente, expor 15% da superfície da pele (equivale a dois braços) pelo
menos três vezes por semana, com filtro solar. E, nesse caso, fazer
complementação com suplementos receitados a partir da necessidade individual de
cada um.
Essas
são as orientações de forma geral. Isso porque as descobertas recentes estão
produzindo mudanças nas recomendações das concentrações ideais de acordo com grupos
específicos. Em 2011, por exemplo, os americanos elevaram esses valores para a
população da terceira idade. Seguindo a tendência americana, a Sociedade
Brasileira de Pediatria (SBP) decidiu aumentar as suas indicações para crianças
e adolescentes. “É importante lembrar que, para crianças maiores, a
suplementação só será necessária caso a criança não atinja a quantidade de
vitamina D recomendada apenas com alimentação e luz solar”, diz Virginia
Weffort, do Departamento de Nutrologia da SBP.
A
cautela é realmente imprescindível. “Não se deve tomar vitamina D
indiscriminadamente”, adverte o endocrinologista Sharon Admoni, do Núcleo de
Obesidade e Transtornos Alimentares do Hospital Sírio-Libanês. Em dose
excessiva, ela causa enjoo, desidratação, prisão de ventre e pode aumentar a
quantidade de cálcio, elevando a pressão arterial. Pode também gerar pedras nos
rins. “O ideal é que quem faz suplementação seja bem monitorado pelo seu médico
e faça exames periódicos de sangue”, diz a médica Ana Hoff. Dessa maneira, só
haverá benefícios.
Por:
Mônica Tarantino e Monique Oliveira - Revista IstoÉ